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A Encíclica Social que nos convida a amar uns aos outros como Deus nos ama

A Encíclica Social que nos convida a amar uns aos outros como Deus nos ama

O papa Francisco lançou sua terceira Carta Encíclica, Fratelli Tutti

No último dia 4 de outubro, Memória de São Francisco de Assis, o papa Francisco lançou sua terceira Carta Encíclica, Fratelli Tutti – sobre a fraternidade e a amizade social. O documento é o segundo inspirado no Santo de Assis, contém uma introdução geral e oito capítulos, distribuídos em 117 páginas. A expressão italiana traduzida para o português quer dizer “Todos irmãos”. “Fratelli Tutti escrevia São Francisco de Assis, dirigindo-se a seus irmãos e irmãs para lhes propor uma forma de vida com sabor de Evangelho”, explicou o Santo Padre logo nas primeiras linhas da encíclica.

 

O papa também fez questão de comentar sobre a inspiração de São Francisco de Assis, mais uma vez, em um documento pontifício. “Este santo do amor fraterno, da simplicidade e da alegria, que me inspirou a escrever a encíclica Laudato Si’, volta a inspirar-me para dedicar esta nova encíclica à fraternidade e à amizade social. Com efeito, São Francisco, que se sentia irmão do sol, do mar e do vento, sentia-se ainda mais unido aos que eram da sua própria carne. Semeou paz por toda a parte e andou junto dos pobres, abandonados, doentes, descartados, dos últimos.”

 

Fratelli Tutti é um documento que expressa o pensamento do papa Francisco e seu sonho de uma única humanidade. Muito do conteúdo da nova encíclica traz aquilo que expressa o Santo Padre por onde passa. Portanto, não se trata de reflexões novas. Ele mesmo diz, no documento, que as questões relacionadas com a fraternidade e a amizade social sempre estiveram entre suas preocupações. Se Laudato Si’ teve fonte de inspiração no Patriarca Ortodoxo Bartolomeu, Fratelli Tutti tem inspiração no Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb. Ao se encontrarem em Abu Dhabi, tocou fortemente Francisco a expressão: “Deus criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade, e os chamou a conviver entre si como irmãos” (4/02/19).

 

A cultura do encontro é outro ponto bastante presente na nova encíclica e Francisco lembra que quando escrevia o documento, veio de forma inesperada o novo coronavírus que reafirmou aquilo que é evidente: não é possível viver sozinho e a pandemia nos mostra isso de forma concreta, deixando descobertas as nossas falsas seguranças. Ainda com a pandemia, conforme o papa, ficou clara a incapacidade de agir em conjunto. “Apesar de estarmos super conectados, verificou-se uma fragmentação que tornou mais difícil resolver os problemas que afetam a todos” (n. 7).

 

A seguir, trazemos chaves de leitura para os oito capítulos da nova encíclica.

 

Capítulo I – As sombras de um mundo fechado

Este capítulo trata de um mundo cada vez mais distante, embora estejamos “super conectados”, Francisco diz que a economia global impõe um modelo cultural único que divide as pessoas e as nações, “porque a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos”. O papa enfatiza que nos encontramos cada vez mais sozinhos e individualistas e as relações sociais e comunitárias estão cada vez mais debilitadas. Tudo isso é consequência do globalismo, que favorece normalmente a identidade dos mais fortes, que se protegem, mas procura dissolver as identidades das regiões mais frágeis e pobres, tornando-as mais vulneráveis e dependentes. Neste cenário, há um desprezo pela história, rejeição pela riqueza espiritual e humana, ignorando, assim, tudo o que os precedeu. É uma luta de interesses que coloca todas as pessoas contra nós e vencer se torna sinônimo de destruir. O Santo Padre diz que, para reverter a situação, é urgente cuidar do mundo que nos rodeia, o que significa cuidar de nós mesmos. “Mas precisamos de nos constituir como um ‘nós’ que habita a casa comum” (n. 17). Neste capítulo, o papa ainda abre espaço para falar dos migrantes, convidando-nos à abertura aos outros, abandonando o pensar e o agir intolerantes. “O medo priva-nos do desejo e da capacidade de encontrar o outro” (n. 41). Sobre os meios de comunicação, sobretudo os digitais, Francisco faz um alerta: “eles podem expor ao risco de dependência, isolamento e perda progressiva de contato com a realidade concreta, dificultando o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas” (n. 43). Para lançar pontes é preciso muito mais que o ambiente digital, conforme o papa.

 

Capítulo II – Um estranho no caminho

O segundo capítulo da nova Carta Encíclica começa com a narração da parábola do Bom Samaritano (Lc 10,29-37). O papa Francisco faz uma reflexão profunda sobre o cuidado com o outro. Desde a resposta de Jesus na parábola do Bom Samaritano: “vai e faz tu também o mesmo” (Lc 10,25-37) e volta ao Antigo Testamento e lembra do episódio em que Caim mata seu irmão Abel e quando o Senhor pergunta pelo irmão, Caim responde: “Sou, porventura, guarda do meu irmão?” (Gn 4,9). Francisco exorta-nos dizendo que essa resposta é a mesma que damos muitas vezes. Neste capítulo, o papa provoca-nos sobre as relações com o próximo. “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama, permanece na morte” (1Jo 3,14). Esse amor a que se refere o Santo Padre deve ser ofertado a todas as pessoas, principalmente àquelas que mais sofrem. “Precisamos reconhecer que somos constantemente tentados a ignorar os outros, especialmente os mais frágeis” (n. 64). É uma história que se repete ao longo dos séculos. “Enquanto caminhamos, inevitavelmente embatemos no homem ferido. Hoje, há cada vez mais feridos. A inclusão ou a exclusão da pessoa que sofre na margem da estrada define todos os projetos econômicos, políticos, sociais e religiosos. Dia a dia enfrentamos a opção de ser bons samaritanos ou viandantes indiferentes que passam ao largo” (n. 69).

 

Capítulo III – Pensar e gerar um mundo aberto

O estar em sintonia e comunicar com o próximo, considerando sempre o outro, é a essência do terceiro capítulo. “Só comunico realmente comigo mesmo, na medida em que comunico com o outro” (n. 87). A vida só subsiste, segundo o papa, “onde há vínculo, comunhão, fraternidade; e é uma vida mais forte do que a morte, quando se constrói sobre verdadeiras relações e vínculos de fidelidade. Pelo contrário, não há vida quando se tem a pretensão de pertencer apenas a si mesmo e de viver como ilhas: nessas atitudes prevalece a morte” (n. 87). É preciso partir de si mesmo, ir ao encontro do outro. Como diz o papa, “deixar-se levar”. A teia de relações deve ser ampla para além do meu pequeno grupo, da minha família para que eu possa compreender-me a mim mesmo. Neste capítulo ressalta-se também o valor da caridade, que é o dinamismo capaz de construir a vida em comum. O papa cita a palavra de Deus para reforçar esse pensamento. “Todos nós, crentes, devemos reconhecer isto: em primeiro lugar está o amor, o amor nunca deve ser colocado em risco, o maior perigo é não amar” (cf. 1Cor 13, 1-13). Para São Tomás de Aquino, o movimento de amar centra a atenção no outro “considerando um só comigo mesmo” (n. 93). O amor, portanto, deve colocar-nos em tensão para a comunhão universal. “Ninguém amadurece nem alcança sua plenitude, isolando-se” (n. 95).

 

Capítulo IV – Um coração aberto ao mundo inteiro

“Somos irmãos e irmãs”. Não é difícil ouvir por aí esta afirmação, mas até ela se tornar prática, parte das nossas vidas, muito caminho precisa ser percorrido. Neste quarto capítulo, papa Francisco nos provoca sobre isso e nos exorta a não deixar essa afirmação somente no campo das abstrações. Precisamos assumir novas perspectivas e produzir novas reações. Muitas das limitações em relação a isso partem de preconceitos. Os migrantes são um bom exemplo. O papa escreve, na encíclica, que o ideal seria não haver migrações, mas para isso é necessário criar reais possibilidades de viver e crescer em seus países de origem, a fim de se poder encontrar lá as condições para o próprio desenvolvimento integral. “O caminho não é desenvolver programas assistenciais vindo do alto, mas construir cidades e países que saibam respeitar as diferenças e valorizá-las em nome da fraternidade humana”. (cf. n. 129). O Santo Padre aponta caminhos práticos no número 130 do documento, que beneficiam aqueles que fogem de graves crises humanitárias. Citando o exemplo de seu país de origem, ele diz que “se forem ajudados a integrar-se, os imigrantes são uma bênção, uma riqueza e um novo dom que convida a sociedade a crescer” (n. 135). O intercâmbio entre países é fecundo na visão do papa e a ajuda mútua beneficia todas as pessoas. Neste capítulo está uma de suas frases mais emblemáticas na nova encíclica: “Precisamos fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém”. (n. 137). Isso porque “a pobreza, a degradação, os sofrimentos de um lugar da terra são um silencioso terreno fértil de problemas que, finalmente, afetarão todo o planeta” (n. 137).

 

Capítulo V – A política melhor

Nesse longo caminho para a fraternidade universal, a política tem um papel indispensável. Não a política populista, mas aquela que tem como causa o bem comum, que se coloca a serviço de todos. O papa reflete sobre a política que pensa um mundo aberto onde haja lugar para todos, que inclua os mais frágeis e respeite as diferentes culturas. Isso se faz com trabalho. “Por mais que mudem os sistemas de produção, a política não pode renunciar ao objetivo de conseguir que a organização de uma sociedade assegure uma maneira de contribuir com as suas capacidades e o seu esforço” (n. 162). A pior pobreza, escreve o papa, “é aquela que priva do trabalho e da dignidade do trabalho. Numa sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável no desenvolvimento do mundo e, finalmente, viver como povo” (n. 162). Pensar uma política melhor é mais do que necessária. Só a partir dela é possível transformar a sociedade.  “A tarefa educativa, o desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a própria sociedade a reagir diante das próprias injustiças, das aberrações, dos abusos dos poderes econômicos, tecnológicos, políticos e mediáticos” (n. 167).

 

 

Capítulo VI – Diálogo e amizade social

O diálogo ajuda o mundo a viver melhor, afirma Francisco neste sexto capítulo de Fratelli Tutti. É por meio dele que é possível “aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contato” (n. 198). “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo”, ressalta o papa. Mas o diálogo muitas vezes é confundido. Não se trata de troca de opiniões nas redes sociais. Isso não é diálogo, mas monólogo. “O diálogo social autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro, aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos. A partir da própria identidade, o outro tem algo para dar, e é desejável que aprofunde e exponha a sua posição para que o debate público seja ainda mais completo” (n. 203). A busca do diálogo leva a um caminho sem erro: a cultura do encontro tão defendida e buscada pelo papa Francisco. “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida. Já várias vezes convidei a fazer crescer uma cultura do encontro que supere as dialéticas que colocam um contra o outro. É um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica de matizes, porque ‘o todo é superior à parte’” (n. 215).

 

Capítulo VII – Percursos de um novo encontro

Novo encontro para o papa Francisco não significa voltar ao período anterior aos conflitos. Ele diz que, com o tempo, todos mudamos e as tribulações e os conflitos nos transformam. A verdade é muito importante neste sentido porque ela não deve levar à vingança, mas à reconciliação e ao perdão. Já a violência e o ódio levam ao caminho oposto do encontro. “A violência gera mais violência, o ódio gera mais ódio e a morte, mais morte. Temos de quebrar essa corrente que aparece como inelutável” (n. 227). O percurso para a paz exige trabalhar juntos e superar o que nos divide sem perder a identidade de cada um. O Santo Padre dá o exemplo da família que entre uma briga e outra se reconcilia e as alegrias e penas de cada um são assumidas por todos. A sociedade seria melhor se também ela fosse assim. “Oh, se pudéssemos conseguir ver o adversário político ou o vizinho de casa com os mesmos olhos com que vemos os filhos, esposas, maridos, pais ou mães, como seria bom! Amamos a nossa sociedade, ou continua a ser algo distante, algo anônimo, que não nos corresponde, não nos insere, não nos compromete?” (n.

 230). Mas para conseguirmos a paz há ainda outro caminho a ser percorrido: “Aqueles que pretendem pacificar uma sociedade não devem esquecer que a desigualdade e a falta de desenvolvimento humano integral impedem que se gere a paz. Na verdade, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a explosão” (n. 235).  Francisco enfatiza que a verdadeira reconciliação é alcançada dentro do conflito, superando-o através do diálogo e de negociações transparentes, sinceras e pacientes. “A unidade é superior ao conflito” (n. 245).

 

Capítulo VIII – As religiões a serviço da fraternidade no mundo

O diálogo tem objetivos profundos e entre religiões, então, ele pode levar ao caminho da paz e da fraternidade universal. No último capítulo de Fratelli Tutti, o papa Francisco diz que o diálogo entre religiões deve acontecer para estabelecer amizade, paz, harmonia e partilhar valores e experiências morais e espirituais num espírito de verdade e amor. Neste caminho, tornar Deus presente na sociedade, sem instrumentalizá-lo ou ofuscá-lo com as nossas ideologias é um bem para as nossas sociedades e ajuda-nos a reconhecer-nos como companheiros de estrada, verdadeiros irmãos. Por outro lado, quando em algumas sociedades as pessoas são privadas de liberdade de consciência e de liberdade religiosa, seus membros são radicalmente empobrecidos, privados de esperança e de ideais. Eis o papel da Igreja a serviço da fraternidade no mundo: “A Igreja tem um papel público que não se esgota nas suas atividades de assistência ou de educação, mas busca a promoção do homem e da fraternidade universal. Não pretende disputar poderes terrenos, mas oferecer-se como uma família entre as famílias – a Igreja é isto –, disponível (…) para testemunhar ao mundo de hoje a fé, a esperança e o amor ao Senhor, mas também àqueles que Ele ama com predileção. Uma casa com as portas abertas… A Igreja é uma casa com as portas abertas, porque é mãe” (n. 276).

O papa encerra sua terceira Carta Encíclica lembrando do Beato Carlos de Foucauld, que teve como ideal de vida a entrega total a Deus, identificando-se com os últimos, os mais abandonados no interior do deserto africano. Como São Francisco de Assis, ele também sentia todo o ser humano como um irmão. Foucauld queria ser assim, o irmão universal, e o papa Francisco conclui pedindo que Deus inspire em cada um de nós esse ideal.

 

Fúlvio Costa

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