A última conferência do Congresso Internacional Concílio Vaticano II: 60 anos a caminho da esperança foi conduzida na noite desta quarta-feira, 10 de dezembro, na Cidade da Comunhão, pela professora emérita de Teologia, Maria Inês de Castro Millen, uma das principais expoentes da teologia moral no Brasil.
Com o tema A teologia moral hoje à luz da recepção do Vaticano II, a conferencista apresentou um panorama das transformações vividas pela teologia moral desde o Concílio, além de destacar avanços, rupturas metodológicas e o impacto desse processo na vida da Igreja e no modo como os cristãos compreendem a moralidade à luz do Evangelho.
A teologia moral após o Concílio
A profa. Maria Inês iniciou lembrando que o Vaticano II provocou um “verdadeiro deslocamento no modo de fazer teologia moral”.
Ela explicou que a recepção do Concílio ocorreu em fases distintas. A primeira, logo após os anos 1960, foi marcada por entusiasmo e também por decepção entre grupos mais resistentes às reformas. Uma segunda fase, segundo ela, foi de acomodação. Hoje, porém, uma etapa distinta, o que chamou de terceira fase de recepção, foi impulsionada pelo último pontificado.
“Com o Papa Francisco, eu acho que a gente vive uma terceira fase de recepção do Concílio, porque o Papa Francisco é filho do Concílio e todo o seu papado foi baseado nas decisões do Concílio Vaticano II”, analisou.
A professora ressaltou que essa recepção contínua mantém viva a capacidade renovadora do Concílio, que segue iluminando desafios contemporâneos e exige da teologia moral um olhar atento à dignidade humana, à misericórdia e à complexidade das situações concretas.
As mulheres e a abertura acadêmica inaugurada pelo Vaticano II
Ao contemplar a dimensão pessoal e simbólica de sua trajetória, a profa. Maria Inês recordou que, antes do Concílio, “as mulheres não tinham acesso ao estudo da teologia”. A abertura conciliar permitiu a presença feminina tanto entre as auditoras do Vaticano II quanto, posteriormente, na formação teológica acadêmica.
Em tom emocionado, afirmou: “eu também estou aqui por causa do Concílio, porque se não fosse o Concílio, com toda a abertura que ele deu, eu não estaria nesse momento podendo fazer o que eu estou fazendo”, declarou.
A médica também sentiu-se honrada ao realizar a conferência final do evento, sucedendo dois bispos, e disse fazê-lo “em nome de todas as mulheres que puderam estudar e daquelas que, no passado, quiseram mas não puderam”.
Entre fé, razão e cuidado: a ponte entre a Medicina e a Teologia
Ao abordar sua experiência como médica, a conferencista refletiu sobre a urgência de integrar humanidades e ética no ensino da saúde. Também revelou que buscou a Filosofia e a Teologia em um momento decisivo da carreira.
“Eu lido com a vida e com a morte. Lidar com o cuidado do outro não é só uma questão técnica”, refletiu.
A teologia moral, para a docente, ampliou sua compreensão ética e humana da prática médica, além de mostrar que a saúde também deve ser guiada por uma ética do cuidado. “Hoje, a ética teológica também é uma ética do cuidado para as pessoas”, afirmou, ao defender uma maior aproximação entre ciências da saúde, sensibilidade humana e espiritualidade cristã.
“Concílio é o caminho da Igreja”, afirma cardeal Dom Paulo Cezar Costa
Antes da conferência, a programação foi aberta por missa celebrada pelo cardeal Dom Paulo Cezar Costa, arcebispo da Arquidiocese de Brasília. Em sua homilia, meditou sobre Mateus 11,28-30, no qual Jesus assegura descanso aos cansados e fatigados.
Ao aproximar o evangelho das reflexões centrais do Vaticano II, Dom Paulo disse que a Igreja, definida no Concílio como sacramento de salvação, só cumpre sua missão quando permanece enraizada em Cristo.
“É interessante contemplar essa imagem, a humildade e a simplicidade de Deus. Papa Francisco, ele dizia: a simplicidade é o DNA de Deus. Essa imagem torna-se realidade na própria visão que Jesus nos revela do ser humano. E essa visão bonita que Jesus tem do humano não é só um convite a descansar Nele, mas é todo um caminho que a Igreja foi fazendo e todo o caminho que o Concílio Vaticano II propôs com essa centralidade de Cristo”, refletiu.
Ele também destacou que o Vaticano II foi convocado para apresentar a doutrina cristã de forma mais bela, dialogante e compreensível ao ser humano contemporâneo e também enfatizou que o Concílio inaugurou “uma nova etapa na evangelização” para pensar a fé, a missão e a dignidade humana.
“Os padres reunidos no Concílio tinham sentido forte, como verdadeiro sopro do Espírito, a exigência de palavra de Deus aos homens do seu tempo… Um novo compromisso para todos os cristãos de testemunharem com mais entusiasmo e convicção a sua fé”.
E completou: “A Igreja sentia a responsabilidade de ser, no mundo, o sinal vivo do amor do Pai e Seu Evangelho nos apresentou a interioridade de Cristo. O Concílio é o caminho da igreja, não existe outro”, declarou o cardeal.

Matéria: Belisa Monteiro
Fotos: Rudger Remígio