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16/01/2018
Base Nacional Comum Curricular
Ideologia de Gênero é apenas uma das preocupações
Apesar de inconstitucional, nova BNCC foi aprovada e entrará em vigor em todo o país. Documento apresenta diretrizes que ensinarão, entre outras coisas, nossas crianças a denunciar os pais, em caso de intolerância; que o sexo não é natural, mas construído socialmente, pois temos identidades abertas, transitórias e flexíveis; e a unificar o pensamento nacional, ou seja, esse é o primeiro passo para o fim do pluralismo de ideias.
Os interesses ideológicos e de mercado por trás da nova BNCC
A nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi aprovada no dia 15 de dezembro passado. O ano que se inicia e o próximo serão dedicados à sua implementação, pelo Ministério da Educação. Para isso, o MEC disponibilizou R$ 100 milhões a fim de que os estados e municípios deem início ao processo. Começando agora, todas as escolas, públicas, privadas e confessionais, têm o prazo de dois anos, isto é, até 2020, para aplicar as diretrizes da BNCC.
O Encontro Semanal, após publicar sucessivas matérias sobre o tema Ideologia de Gênero, que está presente na BNCC, e sobre as audiências públicas que trataram a respeito, agora apresenta uma reportagem especial sobre as implicações da nova Base Nacional Comum Curricular para a educação das novas gerações. Para isso, entrevistamos Orley José da Silva, professor no Ensino Fundamental, da Rede Pública Municipal de Goiânia, mestre em Letras e Linguística (UFG) e doutorando em Ciências da Religião (PUC Goiás), e Viviane Petinelli, doutora em Ciência Política (UFMG/Harvard) e pós-doutoranda em Ciência Política (UFMG). A seguir, apresentamos, em tópicos, para facilitar a leitura, o que está por trás das intenções da nova BNCC, que foi aprovada sem a participação efetiva da população brasileira.
Obrigatoriedade
Um primeiro ponto a se considerar é a obrigatoriedade da nova BNCC. Isso quer dizer que escolas, a partir da educação infantil até o 9º ano do Ensino Fundamental, deverão seguir o que prescreve o documento nacional. Esse é o primeiro currículo obrigatório que o Brasil valida. Até então, as escolas seguiam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), instituídos pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Segundo o professor Orley, a diferença é que os parâmetros eram apenas um norte, uma orientação às escolas e aos professores. “Com os PCN’s, todas as escolas, nos estados e municípios, tinham liberdade para montar seus conteúdos, apenas observando os parâmetros, mas sem obrigação de cumpri-los”, explicou. Ele comentou que a LDB e a Constituição Federal de 1988, no entanto, preveem a construção de uma Base Nacional Curricular, mas ressaltou que a BNCC, embora aprovada, não observou a lei. “Nós não temos uma Base – esse é o problema –, nós temos o próprio currículo, que feito em Brasília, e que determina o que cada criança e adolescente deve estudar e aprender em sala de aula”.
Flexibilidade
Nada do que está na BNCC poderá ser abdicado pelas escolas. Segundo o professor Orley, tudo tem que ser ensinado. As unidades de ensino terão, porém, uma flexibilização de 40% em seu conteúdo para elas poderem construir o currículo. “Vai haver um descontentamento muito grande por parte das escolas confessionais porque muito conteúdo vai chocar com os seus valores e culturas, mas, mesmo assim, não poderão abdicar das diretrizes”, pontuou o professor. Aspectos relativos à Ideologia de Gênero, por exemplo, já estão presentes nos livros didáticos do Ensino Fundamental, série 2016 a 2018.
Ensino Religioso
Conforme Viviane Petinelli, a proposta pedagógica da área de Ensino Religioso não tem o objetivo de simplesmente apresentar ao aluno, de maneira equilibrada, as diversas culturas e tradições religiosas, a partir das suas teologias, doutrinas, registros sagrados e dogmas. Antes, propõe a problematização de toda crença religiosa a partir de “pressupostos éticos e científicos” das Ciências Humanas e Sociais. Como ambas as ciências se assentam em bases materiais, é desse lugar que as religiões, com suas peculiaridades transcendentais, serão criticadas e ensinadas aos alunos.
O Ensino Religioso (ER) com fundamentação teológica foi desconsiderado pela nova Base, que o prevê a partir das Ciências Sociais. “A dialética é no material e não no transcendente, no espiritual. Quando no documento se fala em transcendência, não é aquela que conhecemos de Deus com os homens, porque, para a Base, Deus não existe, isto é, ele é uma criação humana. A espiritualidade e todas as experiências espirituais, segundo a BNCC, estão apenas na mente dos indivíduos. Aí eu pergunto: se não pode o ensino confessional nas escolas como o Superior Tribunal Federal (STF) estabeleceu e tem razão de estabelecer conforme a Constituição Federal, e não pode haver proselitismo religioso, por que se pode trabalhar a visão sociológica das religiões com as crianças? Por que pode o proselitismo da Sociologia? E por que pode trabalhar o ateísmo e não a crença?”. A Base propõe, além do ateísmo, o agnosticismo (crença de que a existência de Deus é impossível de ser conhecida ou provada). “São essas questões que os cristãos deixaram passar e não tiveram interesse em discutir”, alfinetou o estudioso.
Embora as diretrizes da BNCC apresentem muitos pontos que são um contratestemunho, sobretudo para as escolas cristãs, o professor Orley afirmou que não há muito o que se fazer a respeito. “É o preço que a sociedade brasileira, as escolas, sobretudo as confessionais, vão pagar por não terem se atentado e discutido durante a produção das versões da Base. As pessoas não se deram conta de que a BNCC é tão importante quanto a Operação Lava-Jato, a Reforma Trabalhista, a Reforma Previdenciária, as 10 Medidas Contra a Corrupção, e mesmo assim ela não recebeu o mesmo status e atenção”.
Orley apontou a questão ideológica como o aspecto mais preocupante da BNCC. A Base foi aprovada após a produção de quatro versões, isso porque alguma pressão foi feita a respeito do teor negativo de muitos desses pontos do documento. Ele disse ainda que pelo menos seis teorias marxistas fundamentam a Base. Desse modo, ela tem capacidade de fazer uma transformação social no Brasil a partir das crianças.