Mons. Nelson Rafael Fleury, 69 anos de amor e dedicação à Igreja no estado de Goiás
No próximo dia 24 de dezembro, mons. Nelson Rafael Fleury celebraria 69 anos de ordenação presbiteral. O Pai, porém, chamou-o para a morada eterna, na quarta-feira, 13 de novembro, aos 91 anos de idade. O sacerdote é um dos pioneiros da Igreja no estado de Goiás. Natural de Pirenópolis (GO), ele foi muito cedo para o seminário, aos 8 anos de idade.
Estudou primeiro no Seminário Menor de Mariana (MG), em 1939. No ano seguinte, viveu no Seminário Santa Cruz que, na época, era sediado em Silvânia (GO). Estudou filosofia no Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo (SP), em 1944, e teologia no Seminário Maior São José, em Mariana, de 1945 a 1950. Um de seus orgulhos foi ter convivido com o segundo arcebispo de Goiânia, Dom Antonio Ribeiro de Oliveira. De fato, em seu livro Notas Históricas (2007), ele afirma que “foi o padre que mais conviveu com Dom Antonio”. Os dois se conheceram em 1936, no Seminário preparatório “Jesus Adolescente”, na antiga Bonfim, hoje Silvânia.
Assim, mons. Nelson relata como foi ter convivido com o segundo arcebispo de Goiânia na infância e na adolescência: “Juntos, percorremos todos os anos de estudo para nossa formação sacerdotal”. “Posso garantir que esses anos de estudo foram, humanamente falando, os mais felizes de nossas vidas. Duvido que algum garoto tenha tido uma infância e uma adolescência tão gostosas ou que algum jovem tenha tido uma mocidade tão sadia como nós tivemos nos nossos saudosos seminários.”
Com relação aos estudos filosóficos, ele enfatiza na publicação: “Fomos fazer o Curso de Filosofia no mais conceituado Seminário Maior do Brasil, o Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo” e recorda que para serem admitidos nessa instituição tiveram que se submeter a um exame de seleção com provas de português, latim e grego. “Esse seminário marcou muito nossas vidas, pelos renomados professores e formadores que tivemos e pela profunda formação espiritual, inspirada numa sólida devoção a Nossa Senhora, segundo o método de São Luís de Montfort”. Foi ordenado sacerdote, em 24 de dezembro de 1950, e acompanhou de perto, ao longo de sua vida, quatro bispos: Dom Emanuel Gomes de Oliveira (arcebispo da Arquidiocese de Goiás), Dom Abel Ribeiro Camelo (bispo auxiliar de Goiás e primeiro bispo de Jataí-GO), Dom Fernando Gomes dos Santos (primeiro arcebispo de Goiânia) e Dom Antonio Ribeiro de Oliveira (segundo arcebispo de Goiânia).
Sacerdócio
Em entrevista ao Jornal Encontro Semanal, ele fez questão de agradecer ao arcebispo Dom Washington Cruz “pela delicadeza” de publicar a segunda edição de outro livro de sua autoria, Histórias não contadas (2016), que foi dado de presente aos padres da Arquidiocese. Na publicação, mons. Nelson recorda como era difícil levar a Boa-Nova de Nosso Senhor Jesus Cristo às mais longínquas distâncias em que morava o povo de Deus. “Não havia automóvel e nós percorríamos longas distâncias a cavalo, imbuídos da única missão de levar a mensagem de Nosso Senhor, para a salvação dos nossos irmãos, a fim de fazer crescer a Igreja de Cristo.” Ele confirmou que escreveu a obra para contar a sua trajetória sacerdotal e estimular os novos padres por meio de relatos sobre os primeiros dez anos de seu ministério na Arquidiocese de Goiás e, posteriormente, na Arquidiocese de Goiânia. Outro orgulho dele foi fazer parte da primeira geração de padres dessa arquidiocese.
Ecy Gomes Pacine, 79 anos, sobrinha do mons. Nelson, recorda que seu tio sempre foi um homem dedicado e temente a Deus. Ele foi o último de oito irmãos, filhos do casal Nelson Leonel Fleury e Maria das Mercês Fleury. O pai faleceu de complicações do diabetes e sua mãe de câncer, quando ele só tinha 3 anos de idade. “Ele era muito aberto, muito alegre e comunicativo. Ajudou todos os irmãos e tinha amizade com todos. Meu último contato com ele foi na semana passada, no Hospital Anis Rassi. Mons. Nelson sempre foi muito próximo da família e, mesmo quando estava no seminário estudando, vinha para a casa da família na Rua 71, para conversar, conviver, saber como estava a família. Fica agora muita saudade.”
Antônio Afonso Ferreira, 78 anos, presidente da Santa Casa de Misericórdia nos anos de 1996 a 2000, conheceu mons. Nelson desde que começou a participar da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora (Catedral) há 44 anos. Ele recorda com alegria as histórias que o sacerdote contava quando ia almoçar em sua casa. “A atenção e a disponibilidade dele sempre me chamaram atenção. O monsenhor também era diretor espiritual dos Irmãos no Santíssimo, movimento que faço parte. Dele só tenho boas lembranças, inclusive de suas histórias. Ele gostava de contar que quando era padre jovem, certa vez foi a Araguari fazer um exame de vista, usava batina e, chegando na cidade, desceu a avenida principal chamada Afonso Pena. Uma senhora o viu e veio perguntando se ele era padre. Mons. Nelson prontamente respondeu que sim e ela o chamou para exorcizar sua irmã que, segundo ela, estava endemoniada. Ele ficou receoso, mas foi, pegou o crucifixo, rezou e a pessoa acalmou-se. Depois, ele seguiu para a ótica para fazer os óculos e, ao chegar, uma vendedora muito bonita começou a dar em cima dele, que respondeu: “nossa, o demônio agora está em mim”.

Padre Fiorelo Collet, gaúcho de Erexim e missionário no estado de Goiás há mais de 55 anos, lembra que foi recebido na Catedral de Goiânia pelo mons. Nelson. Nos últimos três anos, eles conviveram na Casa Mater Salute, no Edifício Dom Abel, onde moram os padres idosos da Arquidiocese de Goiânia e, nesse período, ele pôde ver mais de perto que o amigo era um homem de fé que amava a Deus e a Igreja. “Ele sempre se angustiava quando acontecia algo de errado com os padres ou com bispos. Mons. Nelson realmente tratava a Igreja como uma mãe amorosa. Sempre sereno, foi uma grande memória de Goiás. Amava a Deus, respeitava seus irmãos, brincava, sabia viver como um irmão na solidariedade, na irmandade. Meses atrás, ele começou a dizer que estava na hora de partir para a casa do Pai. Mons. Nelson já esperava por isso, mas, ao mesmo tempo, cuidava da saúde e deixava-se cuidar.”
Rute Vaz de Morais Alves é voluntária na Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora (Catedral) e na casa paroquial. Nos últimos anos, ela ajudou a cuidar do mons. Nelson, de modo especial, dando atenção ao sacerdote, passeando com ele e levando-o para as missas. “Foi uma convivência muito intensa”, disse. Rute comentou que quando perguntavam a mons. Nelson quem Rute era, ele respondia que era sua mãe, irmã ou amiga. “A gente tinha uma proximidade muito grande devido às suas limitações de caminhar. Ele, muito sábio, percebeu que não dava mais conta de celebrar, fazer as homilias, a sequência e, por isso, deixou a atividade. Com isso, eu fiquei mais próxima e trazia-o para participar da missa todos os domingos às 8h30. Depois da missa tinha um passeio. A gente dava uma volta pela cidade e um dia ele me falou que era muito importante esse passeio. Certa vez, perguntei onde nós íamos e ele respondeu que não sabia, mas que estava repetindo demais porque nós já tínhamos ido à porta de quase todas as paróquias. Um dia me pediu para levá-lo ao túmulo do Cônego Trindade, lá no Cemitério Santana, e eu o levei, ele desceu e falou para mim: ‘agora sabemos onde ele foi enterrado. Se perguntarem, você já sabe e será a guardiã dessa notícia’. E, assim, foi muita convivência diária que tivemos. Para mim, ele foi uma pessoa santa que vai interceder por nós e por toda a Arquidiocese que ele amava muito.”
Dom Washington Cruz preside Missa das Exéquias do mons. Nelson
Às 15h do dia 14, o arcebispo de Goiânia, Dom Washington Cruz, presidiu a Santa Missa das exéquias do mons. Nelson. Concelebraram os bispos auxiliares, Dom Levi Bonatto e Dom Moacir Silva Arantes, além de vários padres da Arquidiocese de Goiânia. Também participaram os diáconos e seminaristas. Na primeira parte de sua homilia, Dom Washington fez uma reflexão sobre a criação. “A condição do ser criado é aparecer e desaparecer, nascer e morrer. Instruído ou ignorante, nobre ou plebeu, rico ou pobre, grande senhor ou vassalo, todos têm essa mesma sorte. As almas têm uma eternidade, o corpo, a transformação em pó”, disse. O arcebispo comentou ainda que é preciso entender, com os olhos da fé, qual é o sentido da morte. “Diz-se que a morte é o último Amém desta vida e o primeiro Aleluia da nova vida, ou seja, o último adeus e o primeiro bem-vindo à eternidade. O cristão sabe que é um peregrino que caminha para uma meta definitiva”, explicou.

Sobre mons. Nelson, Dom Washington afirmou que o padre sempre teve os olhos fixos em Jesus e pôs-se a caminho do Pai, rumo ao encontro definitivo com o Senhor Ressuscitado. Ele lembrou ainda das raízes do monsenhor, que veio, conforme o arcebispo, de uma família rica de fé em Deus e de amor a Nossa Senhora e, por isso mesmo, o padre teve discernimento precoce para dizer sim ao chamado de Deus. “Com a simplicidade dos seus 8 anos, soube dizer ao Senhor ‘Eis-me aqui, Senhor’. Esse mesmo ‘Eis-me aqui’ certamente dominou no íntimo do seu ser no dia em que foi ordenado sacerdote. E com certeza essas palavrinhas dominaram também a sua longa vida até o seu último instante”, declarou o arcebispo.
Monsenhor Nelson foi sepultado no Cemitério Jardim das Palmeiras.
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Fatos históricos da vida de Mons. Nelson
Nascimento – 13 de fevereiro de 1928, em Pirenópolis-GO
Ingresso no Seminário Jesus Adolescente, em Silvânia – 1936
Curso ginasial em Mariana (MG) – 1938 e 1939
Continuação dos estudos no Seminário Santa Cruz, em Silvânia – 1940
Estudos filosóficos – Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo (SP) – 1944
Estudos teológicos – Seminário Maior São José, em Mariana, de 1945 a 1950
Ordenação presbiteral – 24 de dezembro de 1950
Assistente da cerimônia de ordenação episcopal de Dom Antonio Ribeiro de Oliveira – 29 de outubro de 1961
Chanceler e secretário geral da Arquidiocese de Goiânia – 1962 a 1975
Vigário de Dom Antonio na Diocese de Ipameri-GO – 1976 a 1982
Retorno à Arquidiocese de Goiânia com a transferência de Dom Antonio – 1976 até 2019
Fúlvio Costa