Ainda ecoa no coração dos devotos do Divino Pai Eterno os clamores elevados durante a Romaria Virtual 2021. Certamente, numa intensidade ainda maior, ecoa a nostalgia de tê-la vivido de forma presencial, com suas múltiplas expressões de fé, ruas e igrejas transbordantes de fiéis. Assim como em Trindade, outras tantas devoções mundo afora tiveram seu ritmo natural adaptado pelas consequências da pandemia. Essa foi a possibilidade diante da necessidade e não diminui a convicção de que nós fomos feitos para o encontro físico e somos, por excelência, seres do encontro.
Na Encíclica Fratelli Tutti, que inspirou o tema central da Romaria, o papa Francisco reafirma a primazia do encontro e o caracteriza como “um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica de matizes, porque ‘o todo é superior à parte’” (FT, n. 215). Assim é a nossa vida, assim é a celebração-expressão de nossa fé: um encontro com Aquele que nos chama, um encontro com os irmãos que celebram.
Como gerar experiência de encontro em ambiente virtual? A primeira resposta, talvez, esteja em quebrar o equívoco de que o virtual não é real. Nosso pensamento é ainda fortemente maniqueísta, ou é isto ou aquilo, e não aprendemos a olhar as outras possibilidades. Corremos o risco de pensar que essa experiência mediada pelas tecnologias não seja real. A experiência está em quem vive, mais do que na plataforma que se utiliza.
Luciano Floridi, professor da Universidade de Oxford e criador do termo onlife, afirma que hoje não faz mais sentido perguntar se você está on-line ou off-line, conectado ou não conectado. Em entrevista publicada no jornal italiano La Repubblica, Floridi afirma que o onlife é “a nova existência na qual a barreira entre real e virtual caiu, não há mais diferença entre ‘online’ e ‘offline’, mas há precisamente uma ‘onlife’: a nossa existência, que é híbrida como o habitat dos manguezais”. É interessante a analogia que o pensador faz com os manguezais porque é, exatamente, um lugar híbrido, onde não dá para separar o que é água do rio e água do mar.
Tivemos uma Romaria onlife. Nem melhor, nem pior. Uma romaria única, que proporcionou um itinerário espiritual pelas sendas da fraternidade e possibilitou retornar à experiência originária da devoção. Não tivemos um único Santuário, tivemos muitos santuários por todo o Brasil. Cada lar tornou-se um espaço de santificação, assim como a casa de Constantino Xavier e Ana Rosa, quando acolheram o medalhão.
Marcus Tullius
Filósofo e publicitário. Coordenador geral da Pascom Brasil, membro do Grupo de Reflexão em Comunicação da CNBB e gerente de conteúdos da Tv Pai Eterno. Autor do livro Esperançar: a missão do agente da Pastoral da Comunicação, pela Editora Paulus.